Corpus Mutantes: ensaios sobre novas (d)eficiências corporais. 2. Ed. Porto Alegre:Editora da UFRGS, 2009. De Edvaldo Souza Couto e Silvana Vilodre Goellner (Orgs.)
O livro é composto de dez ensaios dedicados ao corpo, modificado, potencializado, aperfeiçoado, desejado, e espetacularizado: as atuais concepções de belo, ideal e real podem ser contraditórias.
Apresentamos a seguir comentários de quatro desses ensaios.
CORPUS EX MACHINA: CONTATOS, IMEDIATOS PORQUE MEDIADOS
Mara Ambrosina de Oliveira Vargas
Dagmar Elisabeth Estermann Meyer
Dagmar Elisabeth Estermann Meyer
Nesse texto as autoras iniciam o texto descrevendo um evento de assistência urgente com um procedimento de reanimação cardiorrespiratória por uma equipe de intensivistas. Três vezes descrevem o mesmo caso por três perspectivas; da perspectiva que ressalta os equipamentos utilizados e o protocolo de procedimentos, da perspectiva que destaca a função dos intensivistas, e da perspectivas que enfoca a rapidez necessária a este tipo de atendimento. Por uma das perspectivas as autoras assinalam a rapidez ou a imediatização. Os termos usados no título do texto - imediato e mediado, apontam, são paradoxais. Contudo, é justamente pela a mediação dos equipamentos que se atinge imediatização, ou celeridade no atendimento. A mesma celeridade entretanto carece ser padronizada para ser reprodutível entre os vários grupos de plantonistas, por isso protocolos de diagnose e atendimento se fazem necessários. Por outro lado a habilidade no uso das máquinas computadorizadas, dos equipamentos auxiliares e materias necessitam estar exaustivamente treinados. O uso de protocolos, exclusivamente aqui chamados algoritmos, automatiza e acelera as re-ações até o nível de estímulo-resposta. Por causa também destes elementos presentes (máquinas computadorizadas, e algoritmos) as autoras denominaram o processo como a ciborguização das enfermeiras (deveriam dizer intensivistas). O uso exclusivista do termo algoritmo matematiza a linguagem e ciborguiza as ações e ao fim assombra. Contudo, embora assombre, não há conotação negativa no termo ciborguização nem prejuízo na ação; o reconhecimento deste fato pode, segundo a nebulosa conclusão a que chegam, “permitir um confronto com outros tipos de verdade e permitir outros modos de experimentar ser e viver.”
VELHICE, PALAVRA QUASE PROIBIDA; TERCEIRA IDADE,
EXPRESSÃO QUASE HEGEMÔNICA
O ensaio de Annamaria da Rocha Jatobá Palácios, de conteúdo mais descritivo que analítico contrapõe pouco os termos que examina. Tendo examinado uma amostra de 247 anúncios publicados nas revistas femininas Marie Clarie, Elle e Cláudia por produtores de cosméticos a autora discorre acerca do uso da expressão Terceira Idade á qual contrapõe a palavra Velhice. De acordo com o levantamento da autora a nova expressão emergiu como forma de tratamento na década de 90 e se sobrepôs ao termo velhice. O termo emergente então, segundo discorre, é convenientemente explorado pela publicidade sob o disfarce de linguagem politicamente correta, e tem o objetivo indisfarçável de estimular o consumo de cosméticos, no caso dos anúncios analisados, por consumidoras com idade superior a, digamos, uns 35 anos. A autora mostra que, dirigido às mulheres, o material de publicidade analisado tira proveito da percepção da recente e contínua elevação do poder de consumo na faixa dos idosos proporcionado pelo aumento da expectativa de vida nas nações ricas e também nas emergentes. A palavra velhice, aos poucos, por sugerir imobilidade isolamento e inaptidão é sistematicamente evitada e, substituída pelo termo novo, terceira idade, que sugere novo estágio, plenitude e poder.
UMA ESTÉTICA PARA CORPOS MUTANTES
Edvaldo Souza Couto
Um dos mais extensos da coletânea, tomando por suportes a atual fluidez das mudanças tecnológicas e sociais, a consequente e freqüente reelaboração das antigamente sólidas referencias, a exigência de experimentarmos agora o transitório que promove o desejo de metamorfosearmos nosso comportamento, e, na esteira, com o acesso às tecnologias também de modificarmos o que quer que seja fraco, feio ou ineficiente nosso corpo, discorre acerca do corpo potencializado, glamurizado, espetacular (ou epetacularizado?) e acerca de como este se tornou matéria suscetível e destinada a freqüentes remodelagens. Uma afirmação calcinante é posta nas linhas finais quando afirma que: “Uma vez que tudo no corpo pode ser aperfeiçoado, o verdadeiro defeito não está numa determinada forma já superada (...) mas numa mentalidade lenta e obsoleta que (...) insiste em resistir aos ideais obrigatórios das mutações e que precisa a todo custo ser vencida”. O fim, em lugar de propor reflexões morais, é constatar que destinado a contínuas remodelagens promovidas por profissionais, cientistas, e cirurgiões, o corpo mais eficiente se tornou o principal objeto de consumo. Sendo que esta vontade de remodelações é fruto do processo de mudanças proporcionadas pelo acesso às novas tecnologias.
OS PERCURSOS DO CORPO NA CULTURA CONTEMPORÂNEA
Malu Fontes
A autora discorre sobre o que ela denomina corpo canônico e este corpo canônico contrapõe o que chama de corpo dissonante. Por ser enfermo, deformado ou deficiente útil apenas em movimentos de denúncia, ou contestação - dissonante. Tendo emprestado o termo cânon do significado estrito de modelo, padrão, ou medida de exemplo, ela discorre sobre o corpo desejado, buscado, e espetacularizado. A autora, embora repisando o tema, consegue, justificadamente a meu ver, criticar as atuais exigências de potencializar o corpo via próteses, cirurgias, apliques, e ginásticas. Também credita a atual representação corporal narcisista como uma forma de expressão de desencantamento com as grandes questões sócio-políticas - não satisfatoriamente resolvidas, que preocuparam as sociedades das décadas de 60 e 70.
Eliana França Cardoso
Salvador, 25 de fevereiro de 2011
Eliana França Cardoso
Salvador, 25 de fevereiro de 2011